Canivete suiço

Talvez as pessoas me achem "velha escola" demais, mas determinadas coisas do mundo moderno me irritam pra valer. Dia desses, eu fui olhar um telefone celular e o vendedor me explicou, todo empolgado, que o aparelho continha maquina fotografica de sei la quantos Mpixels, MP3 payer, pen-drive, GPS e conexão internet. Eu não perderia por nada a oportunidade de tirar um sarrinho: "Ele telefona também ?", perguntei.

Brincadeiras à parte, a modernidade descaracterizou as coisas. Os objetos contêm tudo junto e ao mesmo tempo não são nada, nem uma coisa e nem outra : uma coisa unificada, disforme e insipida. A criação de objetos "multi-tarefa" destruiu o gosto de adquirir uma maquina fotografica OU um telefone OU um walk-man (ah, desculpe, isso era no paleolitico... hoje é MP3 player).

Muitos argumentariam a favor, se baseando na suposta praticidade que representa reunir varias funções em um mesmo objeto. Pois bem, eu argumento contra, me baseando no fato que esses canivetes suiços modernos destroem a poesia das coisas e da utilização destas coisas. Além do mais, se você o perde - ou se te roubam, o que é mais provavel - você fica sem tudo de uma tacada so. A discussão poderia parar ai, mas a coisa é mais complexa. Para citar apenas um exemplo que me vem à cabeça agora: meus colegas engenheiros de alimentos têm me dito que, quando passam entrevistas procurando emprego, as empresas querem alguém capaz de formular um produto sensorial e nutricionalmente perfeito, de cuidar da logistica de aquisição de matéria prima E de elaborar a estratégia de markenting e distribuição. Se você falar inglês, francês, espanhol, italiano E alemão, melhor ainda. O ser humano também acaba sendo forçado a se tornar canivete suiço. Você não é mais valorizado pela SUA QUALIDADE NA SUA ESPECIALIDADE, mas pela QUANTIDADE DE GENERALIDADES QUE VOCE PODE FAZER MAIS OU MENOS. E algumas perguntas resultam dai : seria concebivel fabricar um comprimido que seja ao mesmo tempo anti-alergico, anti-inflamatorio, antibiotico E antidepressivo ? Você se deixaria operar por um cirurgião especialista em cirurgia cardiaca, renal E neurocirurgia ? Conseguiria imaginar um professor de quimica, literatura E geografia ?

Ao meu ver, as funções das coisas (e das pessoas) necessitam de invidualização. O contrario significaria que as coisas (e as pessoas) perderiam seu valor. E a vida, em consequência, um pouco da sua graça.